BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 2012.
1
O narrador – por mais familiar
que nos soe esse nome – não está absolutamente presente entre nós, em sua
eficácia viva. Ele é para nós algo de distante, e que se distancia cada vez
mais. P. 213.
É a experiência de que a arte de
narrar está em vias de extinção. [...] É como se estivéssemos sendo privados de
uma faculdade que nos parecia totalmente segura e inalienável: a faculdade de
intercambiar experiências. P. 213.
Uma das causas desse fenômeno é
evidente: as ações da experiência estão em baixa. P. 214
2
A experiência que passa de boca
em boca é a fonte a que recorreram todos os narradores. E, entre as narrativas
escritas, as melhores são as que menos se distinguem das histórias orais
contadas pelos inúmeros narradores anônimos. P. 214
[...] o narrador como alguém que
vem de longe. P. 214
4
O senso prático é uma das
características de muitos narradores natos. P. 216
Mas, se “dar conselhos” soa hoje
como algo antiquado, isto se deve ao fato de a s experiências estarem perdendo
a sua comunicabilidade. Em consequência, não podemos dar conselhos nem anos
mesmos nem aos outros. P. 216
O conselho tecido na substância
da vida vivida tem um nome: sabedoria. A arte de narrar aproxima-se de seu fim
porque a sabedoria – o lado épico da verdade – está em extinção. P. 217
Ele é muito mais um sintoma das
forças produtivas seculares, históricas, que expulsam gradualmente a narrativa
da esfera do discurso vivo [...] p. 217
5
O primeiro indício do processo
que vai culminar no ocaso da narrativa é o surgimento do romance no início do
período moderno. O que separa o romance da narrativa (e da epopeia no sentido
estrito) é que ele está essencialmente vinculado ao livro. A difusão do romance
só se torna possível com a invenção da imprensa. P. 217
A origem do romance é o indivíduo
isolado, que não pode mais falar exemplarmente sobre suas preocupações mais
importantes e que não recebe conselhos nem sabe dá-los. P. 217
O primeiro grande livro do
gênero, Dom Quixote, já ensina como a
grandeza de alma, a coragem e a generosidade de um doa mais nobres heróis – de
Dom Quixote, justamente – são totalmente refratárias ao conselho e não contêm a
menor centelha de sabedoria. P. 217
6
[...] verificamos que com a
consolidação da burguesia – da qual a imprensa, no alto capitalismo, é um dos
instrumentos mais importantes – destacou-se uma forma de comunicação que, por
mais antigas que fossem suas origens, nunca havia influenciado decisivamente a
forma épica. Agora ela exerce essa influência. Ela é tão estranha à narrativa
como o romance, mas é mais ameaçadora que ele, e, de resto, provoca uma crise
no próprio romance. Essa nova forma de comunicação é a informação. P. 218
[...] o saber que vem de longe
encontra hoje menos ouvintes que a informação que forneça um ponto de apoio
para o que está próximo. P 219
Se a arte da narrativa é hoje
rara, a difusão da informação tem uma participação decisiva nesse declínio. P.
219
A cada manhã recebemos notícias
de todo o mundo. E, no entanto, somos pobres em histórias surpreendentes. A
razão para tal é que todos os fatos já nos chegam impregnados de explicações.
Em outras palavras: quase nada do que acontece é favorável à narrativa, e quase
tudo beneficia a informação. Metade da arte narrativa está em, ao comunicar uma
história, evitar explicações. P. 219
A informação só tem valor no momento em que é nova. Ela só vive nesse
momento, precisa entregar-se inteiramente a ele e sem perda de tempo tem que se
explicar nele. Muito diferente é a narrativa. Ela não se esgota jamais. Ela
conserva suas forças e depois de muito tempo ainda é capaz de desdobramentos.
P. 220
8
Contar histórias sempre foi a
arte de contá-las de novo, e ela se perde quando as histórias não são mais
conservadas. Ela se perde porque ninguém mais fia ou tece enquanto ouve a
história. P. 221
9
A narrativa, que durante tanto
tempo floresceu num meio artesão – no campo, no mar e na cidade -, é ela
própria, num certo sentido, uma forma artesanal de comunicação. P. 221
“O homem de hoje não cultiva mais aquilo que não pode ser abreviado”.
Paul Valéry. P. 223
10
Durante o século XIX, a sociedade
burguesa produziu, com as medidas higiênicas e sociais privadas e públicas, um
efeito colateral que inconscientemente talvez tivesse sido seu objetivo
principal: permitir aos homens evitarem o espetáculo da morte. Morrer era antes
um episódio público na vida do indivíduo, e seu caráter era altamente exemplar
[...] p. 223
Ora, é no moribundo que não
apenas o saber e a sabedoria do homem, mas sobretudo sua vida vivida – e é
dessa substância que são feitas as histórias – assumem pela primeira vez uma
forma transmissível. P. 224
13
Não se percebeu devidamente até
agora que a relação ingênua entre o ouvinte e o narrador é dominada pelo
interesse em conservar o que foi narrado. Para o ouvinte imparcial, o
importante é assegurar a possibilidade da transmissão. P. 227
A rememoração funda a cadeia da tradição, que transmite os
acontecimentos de geração em geração. P. 228
O que se anuncia nessas passagens
é a memória perpetuadora do romancista, em contraste com a breve memória do
narrador. P. 228
14
Aqui, “o sentido da vida”, e lá,
“a moral da história” – esses dois lemas distinguem entre si o romance e a
narrativa [...] p. 230
15
Quem escuta uma história está em
companhia do narrador; mesmo quem lê partilha dessa companhia. Mas o leitor de
um romance é solitário. P. 230
16
O grande narrador tem sempre suas
raízes no povo, principalmente nas camadas artesanais. P.
231
Uma escada que chega até o centro
da terra e que se perde nas nuvens – é a imagem de uma experiência coletiva,
para a qual mesmo o mais profundo choque da experiência individual, a morte,
não representa nem um escândalo nem um impedimento. p 232
17
Poucos narradores tiveram uma
afinidade tão profunda com o espírito do conto de fadas como Leskov. Essas
tendências foram favorecidas pelos dogmas da Igreja ortodoxa grega. Nesses
dogmas, como se sabe, a especulação de Orígenes, rejeitada pela Igreja Romana,
sobre a apocatastasis, a admissão de
todas as almas ao Paraíso, desempenha um papel significativo. [...] p. 233
19
Podemos dizer que os provérbios
são ruínas de antigas narrativas, nas quais a moral da história abraça um
gesto, como a hera abraça um muro. P. 239
[...] o narrador figura entre os
mestres e os sábios. Ele sabe dar conselhos: não para alguns casos, como o
provérbio, mas para muitos casos, como o sábio. P. 240
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