sábado, 25 de maio de 2013

MONTAIGNE, Michel de. Ensaios.



MONTAIGNE, Michel de. Ensaios. São Paulo: Abri1 cultura.1972.

Livro I 

“A maneira mais comum de amolecer o coração dos que nos ofendem, quando, vingança em mãos, eles nos têm à sua mercê, é comovê-los pela nossa submissão, inspirando-lhes comiseração e piedade. Entretanto a bravura, a tenacidade e a resolução, meios inteiramente opostos, alcançam às vezes idêntico resultado.” (Cap. 1, p. 13.)

“A organização dos funerais, a escolha da sepultura, pompa das exéquias, são menos necessárias à tranquilidade dos mortos do que o consolo dos vivos.” (Santo Agostinho) (cap. 3, p. 19.)

“Queres saber onde estarás depois de morto? Irás para onde se encontram as coisas ainda por nascerem.” (Sêneca) (cap. 3, p. 20.)

“Se não os ocupamos - os espíritos – com certos assuntos que os absorvam e disciplinem, enveredam ao léu, sem peias, pelo campo da imaginação.” (Cap. 8, p. 25.)

“ […] é não estar em nenhum lugar, estar em toda parte.” (Marcial) (Cap. 8 p. 25.)

“Facilita-lhes a tarefa o falar obscuro, ambíguo, fantasia do jargão profético, pois os que o empregam abstêm-se de se exprimirem com clareza, a fim de que a posteridade possa arranjá-lo a seu gosto.” (Cap. 11, p. 31.)

“A perseverança consiste em suportar com resignação os incômodos para os quais não temos remédio.” (Cap. 12, p. 31)

“Só sentimentos a morte pelo pensamento, tanto mais quanto é coisa de um instante: 'Ou a morte foi, ou será, nada é presente nela.'” (La Boétie) (cap. 14, p. ?)

“A opinião que temos das coisas é que as valoriza. Isso se vê pelo grande número daquelas que não examinamos a não ser para as avaliar, antes que a nós mesmos. Não lhes ponderamos nem a qualidade nem a utilidade, mas apenas o que nos custam para as obtermos, como se o que pagamos fosse parte integrante delas; e o valor que lhes atribuímos mede-se não pelos serviços que nos prestam, mas pelo que demos para consegui-las. Isso me induz a achar que as usamos de maneira estranha, pois valem segundo o que pesam e na medida do peso. E nunca as deixamos desvalorizarem-se.” (Cap. 14, p. 39.)

“Estamos bem ou normal neste mundo segundo o que pensamos: contente está quem se acredita contente e não aquele e não aquele que os outros imaginam contente. Nossa crença é que faz seja ou não seja real a felicidade.” (Cap. 14, p. 41.)

“Não basta ver a coisa, importa como vê-la.” (Cap. 14, p 41.)

“Que o piloto se contente com falar dos ventos, o lavrador de touros, o guerreiro de seus ferimentos e o pastor de suas ovelhas”. (Propércio.) (Cap. 17, p. 44.)

“Marchamos para a morte: nosso destino agita-se na urna funerária; um pouco mais cedo, um pouco mais tarde, o nome de cada um dali sairá e a barca fata nos levará a todos ao eterno exílio.” (Horácio.) (Cap. 20, p. 49.)

“A meta de toda existência é a morte” […] (Cap. 20, p. 49)

“Para começar a despojá-la da vantagem maior de que dispõe contra nós, tomemos por caminho inverso ao habitual. Tiremos dela o que tem de estranho; pratiquemo-la, habituemo-nos a ela, não pensemos em outra coisa; tenhamo-la a todo instante presente em nosso pensamento e sob todas as suas forma. Ao tropeço de um cavalo, à queda de uma telha, à menor picada de alfinete, digamos: se fosse a morte! E esforcemo-nos em reagir contra a apreensão que uma tal reflexão pode provocar.” (Cap. 20, p. 50.)

“Pensa que cada dia é teu último dia, e aceitarás com gratidão aquele que não mais esperavas.” (Horácio.) (Cap. 20, p. 51.)

“Quero que a morte me surpreenda em pleno trabalho.” Ovídio. p. 52.
“Vamos agir portanto e prolonguemos os trabalhos da existência quanto pudermos, e que a morte nos encontre a plantar as nossas couves, mas indiferentes à sua chegada e mais ainda ante as nossas hortas inacabadas.” (Cap. 20, p . 52.)

“[...]quem ensinasse os homens a morrer os ensinaria a viver.” (Cap. 20, p . 52.)

“[…] por que temeríamos perder uma coisa que uma vez perdida, já não podemos lamentar?” (Cap. 20, p. 53)

“A vida em si não é um bem nem um mal. Tornar-se bem ou mal segundo o que dela fazeis.”(Cap. 20, p. 53)

“Giramos sempre em torno do mesmo círculo.” (Lucrécio.) (Cap. 20, p. 54)

“O tempo que perdeis não vos pertence mais do que o que precedeu vosso nascimento, e não vos interessa: “Considerai em verdade que os séculos inumeráveis, já passados, são para vós como se não tivessem sido.” (Lucrécio.) (Cap. 20, p. 54)

“Todos os dias levam a morte, só último a alcança.” (Cap. 20, p. 54.)

“Quando ela se aproxima [a morte], há uma modificação total em nossa vida cotidiana: mães, mulheres e crianças gritam e se lamentam. Inúmeras pessoas nos visitam, consternadas; a gente da casa aí está, pálida e desesperada; a obscuridade reina no quarto; acendem-se velas; à nossa cabeceira juntam-se padres e médicos; tudo, em suma, em volta de nós se dispõe como para inspirar horror; ainda não rendemos o último suspiro, e já estamos amortalhados e enterrados.” (Cap. 20, p. 55.)

“[…] essas falhas divertidas verificáveis na consumação do casamento e que constituem um obcecante entrave a preocupar a nossa sociedade, não passam no fundo de um efeito da apreensão e da timidez.” (Cap. 21, p. 56)

“Quem foi vítima uma vez de sua imaginação e passou por essa vergonha (a qual se verifica quase sempre no início de uma ligação, poque o desejo é mais vivo e ardente e porque, desejoso de impressionar favoravelmente, teme o malogro), em tendo mal começado ressente-se do despeito que experimentou e corre o risco de ver repetir-se a desventura daí por diante.” (Cap. 21, p. 57)

“Para demonstrar o poder de nossa vontade, alude Santo Agostinho a alguém que produzia, a seu bel-prazer, evacuações sonoras de gases intestinais.” (Cap. 21, p. 58.)

“Finalmente na defesa que faço desse orgão, direi: quanto ao que lhe censuram, a causa está inseparavelmente ligada à de outro orgão seu associado, e no entanto só o meu cliente é incriminado, porque há contra ele argumentos e fatos que não se podem invocar contra o seu cúmplice, ao qual apenas se há de culpar de provocações por vezes importunas. Jamais de falhar. Ademais essas provocações são discretas e tranquilas.” (Cap. 21, p. 58.)

“[…] quem se analise a si mesmo, verá no fundo do coração que a maioria de seus desejos só nascem e se alimentam em detrimento de outrem. Em se meditando a propósito, percebe-se que a natureza não foge, nisso, a seu princípio essencial, pois admitem os físicos que toda coisa nasce, se desenvolve e cresce em consequência da alteração e corrupção de outra: 'Logo que uma coisa qualquer muda de maneira de ser, disso resulta imediatamente a morte do que ela era antes.'” (Lucrécio) (Cap. 22, p. 60.)

“[…] o costume é efetivamente um pérfido e tirânico professor.” (Cap. 23, p. 61)

“[…] o hábito atrofia nossos sentidos.” (Cap. 23, p. 61)

“Acredito que nossos maiores vícios se implantam em nós já na mais tenra infância e que a parte principal de nossa educação se acha nas mãos de nossa ama.” (Cap. 23, p. 61.)

“[…] a má ação não o é menos ou mais segundo se trate de escudos ou alfinetes; a má ação é má em si mesma.”(Cap. 23, p. 62.)

“[…] os jogos infantis devem julgar-se não apenas como divertimentos mas ainda como ações de importância.” (Cap. 23, p. 62.)

“O hábito impedira-me até então de perceber o estranho da coisa, a qual nos repugnaria profundamente se no-la apresentassem como sendo praticada em outro país.” (Cap. 23, p. 62.)

“[...]o hábito retira-nos a possibilidade de um juízo sadio. Não são os bárbaros motivo de maior estranheza para nós do que nós para eles […]” (Cap. 23, p. 62)

“O principal efeito da força do hábito reside em que se apodera de nós a ta ponto que já quase não está em nós recuperarmo-nos e refletirmos sobre os atos a que nos impele.” (Cap. 23, p. 65.)

“[…] imaginamos que as idéias aceitas em torno de nós, e infundidas em nós por nossos pais, são absolutas e ditadas pela natureza. Daí pensarmos que o que está fora dos costumes está igualmente fora da razão […]” (Cap. 23, p. 65.)

“Quanto às coisas indiferentes, como as vestimentas, a quem as quisesse adaptar ao seu objetivo verdadeiro, que é serem cômodas e úteis e bem adequadas ao corpo, o que lhes dá graça e atende ás conveniências, eu assinalaria como atingindo, a meu ver, o limite do grotesco, os nossos bonés quadrados e essa longa cauda de veludo pregueado e de enfeites variegados que pende da cabeça de nossas mulheres; e também os nossos calções que, tola e inutilmente, nos amoldam um membro de que mal podemos falar honestamente e que assim acabamos como que exibindo em público.” (Cap. 23, p. 67.)

“Quem não se comove ante uma antiguidade atestada através de tantos brilhantes testemunhos?” (Cícero) (Cap. 23, p. 69.)

“[…] os oradores, quando lhes ocorrem esses movimentos de alma e esses transportes extraordinários que os fazem alçar-se muito além de seus intentos.” (Cap. 24, p. 71.)

“É excelente maneira de conquistar os corações e a boa vontade das gentes apresentar-se altivo e confiante, conquanto assim se faça espontaneamente e não constrangido pela necessidade.” (Cap. 24, p. 72.)

“[...]não basta que as instituições não nos tornem piores, é preciso que nos façam melhores.” (Cap. 25, p. 76)

“Não cabe justapor o saber à alma, cumpre incorporá-lo a ela.” (Cap. 25, p . 77)

“Nenhuma lei tem valor efetivo, fora daquelas a que Deus deu uma duração tal que ninguém lhes conhece a origem nem as viu diferentes.” (Cap. 43, p. 133)

“Conta-se que a fundação de Notre Dame La Grande, em Poitiers, é divida ao fato de um jovem debochado, que morava no local, haver encontrado uma prostituta à qual indagou do nome. Em lhe respondendo que era Maria, acordou nele repentinamente seus sentimentos religiosos. Tomado então de respeito pelo nome da Virgem, não só expulsou imediatamente a mulher como se corrigiu em definitivo. Em vista desse milagre, ali se construiu uma capela a Nossa Senhora e mais tarde a igreja que conhecemos.” (Cap. 46, p. 135)

“Qualquer ato nos revela o que somos. […] Julga-se um cavalo não apenas pelo galope, mas ainda pelo passo natural e até em seu descanso na estrebaria.” (Cap. 50, p. 147)

“Todo pormenor da existência do homem, toda ocupação a que se entregue, o revelam e mostram com suas qualidades e defeitos.” (Cap. 50, p. 147)

“Na antiga literatura grega deparamo com poema em forma de ovo, de bola, de asa, de machadinha, obtidos mediante a variação das medidas dos versos que se encurtam ou alongam para, em conjunto, representar tal ou qual imagem.” (Cap. 54, p. 151)

“Parece haver motivos para afirmar que existe uma ignorância inicial que precede a ciência e uma ignorância doutoral que a segue. A ciência faz e engendra esta última, assim como desfaz e destrói a primeira.” (Cap. 54, p. 151)

“E é pura fantasia imaginar que podemos morrer de esgotamento em virtude de uma extrema velhice, e assim fixar a duração da vida, pois esse gênero de morte é o mais raro de todos. E a isso chamamos de morte natural como se fosse contrário a natureza um homem quebrar a cabeça numa queda, afogar-se em algum naufrágio, morrer de peste ou de pleurisia.” (Cap. 57, p. 158)

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