sábado, 25 de maio de 2013

MONTAIGNE, Michel de. Ensaios.



MONTAIGNE, Michel de. Ensaios. São Paulo: Abri1 cultura.1972.

Livro I 

“A maneira mais comum de amolecer o coração dos que nos ofendem, quando, vingança em mãos, eles nos têm à sua mercê, é comovê-los pela nossa submissão, inspirando-lhes comiseração e piedade. Entretanto a bravura, a tenacidade e a resolução, meios inteiramente opostos, alcançam às vezes idêntico resultado.” (Cap. 1, p. 13.)

“A organização dos funerais, a escolha da sepultura, pompa das exéquias, são menos necessárias à tranquilidade dos mortos do que o consolo dos vivos.” (Santo Agostinho) (cap. 3, p. 19.)

“Queres saber onde estarás depois de morto? Irás para onde se encontram as coisas ainda por nascerem.” (Sêneca) (cap. 3, p. 20.)

“Se não os ocupamos - os espíritos – com certos assuntos que os absorvam e disciplinem, enveredam ao léu, sem peias, pelo campo da imaginação.” (Cap. 8, p. 25.)

“ […] é não estar em nenhum lugar, estar em toda parte.” (Marcial) (Cap. 8 p. 25.)

“Facilita-lhes a tarefa o falar obscuro, ambíguo, fantasia do jargão profético, pois os que o empregam abstêm-se de se exprimirem com clareza, a fim de que a posteridade possa arranjá-lo a seu gosto.” (Cap. 11, p. 31.)

“A perseverança consiste em suportar com resignação os incômodos para os quais não temos remédio.” (Cap. 12, p. 31)

“Só sentimentos a morte pelo pensamento, tanto mais quanto é coisa de um instante: 'Ou a morte foi, ou será, nada é presente nela.'” (La Boétie) (cap. 14, p. ?)

“A opinião que temos das coisas é que as valoriza. Isso se vê pelo grande número daquelas que não examinamos a não ser para as avaliar, antes que a nós mesmos. Não lhes ponderamos nem a qualidade nem a utilidade, mas apenas o que nos custam para as obtermos, como se o que pagamos fosse parte integrante delas; e o valor que lhes atribuímos mede-se não pelos serviços que nos prestam, mas pelo que demos para consegui-las. Isso me induz a achar que as usamos de maneira estranha, pois valem segundo o que pesam e na medida do peso. E nunca as deixamos desvalorizarem-se.” (Cap. 14, p. 39.)

“Estamos bem ou normal neste mundo segundo o que pensamos: contente está quem se acredita contente e não aquele e não aquele que os outros imaginam contente. Nossa crença é que faz seja ou não seja real a felicidade.” (Cap. 14, p. 41.)

“Não basta ver a coisa, importa como vê-la.” (Cap. 14, p 41.)

“Que o piloto se contente com falar dos ventos, o lavrador de touros, o guerreiro de seus ferimentos e o pastor de suas ovelhas”. (Propércio.) (Cap. 17, p. 44.)

“Marchamos para a morte: nosso destino agita-se na urna funerária; um pouco mais cedo, um pouco mais tarde, o nome de cada um dali sairá e a barca fata nos levará a todos ao eterno exílio.” (Horácio.) (Cap. 20, p. 49.)

“A meta de toda existência é a morte” […] (Cap. 20, p. 49)

“Para começar a despojá-la da vantagem maior de que dispõe contra nós, tomemos por caminho inverso ao habitual. Tiremos dela o que tem de estranho; pratiquemo-la, habituemo-nos a ela, não pensemos em outra coisa; tenhamo-la a todo instante presente em nosso pensamento e sob todas as suas forma. Ao tropeço de um cavalo, à queda de uma telha, à menor picada de alfinete, digamos: se fosse a morte! E esforcemo-nos em reagir contra a apreensão que uma tal reflexão pode provocar.” (Cap. 20, p. 50.)

“Pensa que cada dia é teu último dia, e aceitarás com gratidão aquele que não mais esperavas.” (Horácio.) (Cap. 20, p. 51.)

“Quero que a morte me surpreenda em pleno trabalho.” Ovídio. p. 52.
“Vamos agir portanto e prolonguemos os trabalhos da existência quanto pudermos, e que a morte nos encontre a plantar as nossas couves, mas indiferentes à sua chegada e mais ainda ante as nossas hortas inacabadas.” (Cap. 20, p . 52.)

“[...]quem ensinasse os homens a morrer os ensinaria a viver.” (Cap. 20, p . 52.)

“[…] por que temeríamos perder uma coisa que uma vez perdida, já não podemos lamentar?” (Cap. 20, p. 53)

“A vida em si não é um bem nem um mal. Tornar-se bem ou mal segundo o que dela fazeis.”(Cap. 20, p. 53)

“Giramos sempre em torno do mesmo círculo.” (Lucrécio.) (Cap. 20, p. 54)

“O tempo que perdeis não vos pertence mais do que o que precedeu vosso nascimento, e não vos interessa: “Considerai em verdade que os séculos inumeráveis, já passados, são para vós como se não tivessem sido.” (Lucrécio.) (Cap. 20, p. 54)

“Todos os dias levam a morte, só último a alcança.” (Cap. 20, p. 54.)

“Quando ela se aproxima [a morte], há uma modificação total em nossa vida cotidiana: mães, mulheres e crianças gritam e se lamentam. Inúmeras pessoas nos visitam, consternadas; a gente da casa aí está, pálida e desesperada; a obscuridade reina no quarto; acendem-se velas; à nossa cabeceira juntam-se padres e médicos; tudo, em suma, em volta de nós se dispõe como para inspirar horror; ainda não rendemos o último suspiro, e já estamos amortalhados e enterrados.” (Cap. 20, p. 55.)

“[…] essas falhas divertidas verificáveis na consumação do casamento e que constituem um obcecante entrave a preocupar a nossa sociedade, não passam no fundo de um efeito da apreensão e da timidez.” (Cap. 21, p. 56)

“Quem foi vítima uma vez de sua imaginação e passou por essa vergonha (a qual se verifica quase sempre no início de uma ligação, poque o desejo é mais vivo e ardente e porque, desejoso de impressionar favoravelmente, teme o malogro), em tendo mal começado ressente-se do despeito que experimentou e corre o risco de ver repetir-se a desventura daí por diante.” (Cap. 21, p. 57)

“Para demonstrar o poder de nossa vontade, alude Santo Agostinho a alguém que produzia, a seu bel-prazer, evacuações sonoras de gases intestinais.” (Cap. 21, p. 58.)

“Finalmente na defesa que faço desse orgão, direi: quanto ao que lhe censuram, a causa está inseparavelmente ligada à de outro orgão seu associado, e no entanto só o meu cliente é incriminado, porque há contra ele argumentos e fatos que não se podem invocar contra o seu cúmplice, ao qual apenas se há de culpar de provocações por vezes importunas. Jamais de falhar. Ademais essas provocações são discretas e tranquilas.” (Cap. 21, p. 58.)

“[…] quem se analise a si mesmo, verá no fundo do coração que a maioria de seus desejos só nascem e se alimentam em detrimento de outrem. Em se meditando a propósito, percebe-se que a natureza não foge, nisso, a seu princípio essencial, pois admitem os físicos que toda coisa nasce, se desenvolve e cresce em consequência da alteração e corrupção de outra: 'Logo que uma coisa qualquer muda de maneira de ser, disso resulta imediatamente a morte do que ela era antes.'” (Lucrécio) (Cap. 22, p. 60.)

“[…] o costume é efetivamente um pérfido e tirânico professor.” (Cap. 23, p. 61)

“[…] o hábito atrofia nossos sentidos.” (Cap. 23, p. 61)

“Acredito que nossos maiores vícios se implantam em nós já na mais tenra infância e que a parte principal de nossa educação se acha nas mãos de nossa ama.” (Cap. 23, p. 61.)

“[…] a má ação não o é menos ou mais segundo se trate de escudos ou alfinetes; a má ação é má em si mesma.”(Cap. 23, p. 62.)

“[…] os jogos infantis devem julgar-se não apenas como divertimentos mas ainda como ações de importância.” (Cap. 23, p. 62.)

“O hábito impedira-me até então de perceber o estranho da coisa, a qual nos repugnaria profundamente se no-la apresentassem como sendo praticada em outro país.” (Cap. 23, p. 62.)

“[...]o hábito retira-nos a possibilidade de um juízo sadio. Não são os bárbaros motivo de maior estranheza para nós do que nós para eles […]” (Cap. 23, p. 62)

“O principal efeito da força do hábito reside em que se apodera de nós a ta ponto que já quase não está em nós recuperarmo-nos e refletirmos sobre os atos a que nos impele.” (Cap. 23, p. 65.)

“[…] imaginamos que as idéias aceitas em torno de nós, e infundidas em nós por nossos pais, são absolutas e ditadas pela natureza. Daí pensarmos que o que está fora dos costumes está igualmente fora da razão […]” (Cap. 23, p. 65.)

“Quanto às coisas indiferentes, como as vestimentas, a quem as quisesse adaptar ao seu objetivo verdadeiro, que é serem cômodas e úteis e bem adequadas ao corpo, o que lhes dá graça e atende ás conveniências, eu assinalaria como atingindo, a meu ver, o limite do grotesco, os nossos bonés quadrados e essa longa cauda de veludo pregueado e de enfeites variegados que pende da cabeça de nossas mulheres; e também os nossos calções que, tola e inutilmente, nos amoldam um membro de que mal podemos falar honestamente e que assim acabamos como que exibindo em público.” (Cap. 23, p. 67.)

“Quem não se comove ante uma antiguidade atestada através de tantos brilhantes testemunhos?” (Cícero) (Cap. 23, p. 69.)

“[…] os oradores, quando lhes ocorrem esses movimentos de alma e esses transportes extraordinários que os fazem alçar-se muito além de seus intentos.” (Cap. 24, p. 71.)

“É excelente maneira de conquistar os corações e a boa vontade das gentes apresentar-se altivo e confiante, conquanto assim se faça espontaneamente e não constrangido pela necessidade.” (Cap. 24, p. 72.)

“[...]não basta que as instituições não nos tornem piores, é preciso que nos façam melhores.” (Cap. 25, p. 76)

“Não cabe justapor o saber à alma, cumpre incorporá-lo a ela.” (Cap. 25, p . 77)

“Nenhuma lei tem valor efetivo, fora daquelas a que Deus deu uma duração tal que ninguém lhes conhece a origem nem as viu diferentes.” (Cap. 43, p. 133)

“Conta-se que a fundação de Notre Dame La Grande, em Poitiers, é divida ao fato de um jovem debochado, que morava no local, haver encontrado uma prostituta à qual indagou do nome. Em lhe respondendo que era Maria, acordou nele repentinamente seus sentimentos religiosos. Tomado então de respeito pelo nome da Virgem, não só expulsou imediatamente a mulher como se corrigiu em definitivo. Em vista desse milagre, ali se construiu uma capela a Nossa Senhora e mais tarde a igreja que conhecemos.” (Cap. 46, p. 135)

“Qualquer ato nos revela o que somos. […] Julga-se um cavalo não apenas pelo galope, mas ainda pelo passo natural e até em seu descanso na estrebaria.” (Cap. 50, p. 147)

“Todo pormenor da existência do homem, toda ocupação a que se entregue, o revelam e mostram com suas qualidades e defeitos.” (Cap. 50, p. 147)

“Na antiga literatura grega deparamo com poema em forma de ovo, de bola, de asa, de machadinha, obtidos mediante a variação das medidas dos versos que se encurtam ou alongam para, em conjunto, representar tal ou qual imagem.” (Cap. 54, p. 151)

“Parece haver motivos para afirmar que existe uma ignorância inicial que precede a ciência e uma ignorância doutoral que a segue. A ciência faz e engendra esta última, assim como desfaz e destrói a primeira.” (Cap. 54, p. 151)

“E é pura fantasia imaginar que podemos morrer de esgotamento em virtude de uma extrema velhice, e assim fixar a duração da vida, pois esse gênero de morte é o mais raro de todos. E a isso chamamos de morte natural como se fosse contrário a natureza um homem quebrar a cabeça numa queda, afogar-se em algum naufrágio, morrer de peste ou de pleurisia.” (Cap. 57, p. 158)

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NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm, 1844 – 1900 Ecce Homo: de como a gente se torna o que a gente é (autobiografia)





Nietzsche, Friedrich Wilhelm, 1844 – 1900. Ecce Homo: de como a gente se torna o que a gente é (autobiografia) Porto Alegre: L & PM, 2002. 208 p.; 17 cm

Pág 17 – linha 15

Derribar ídolos (a minha palavra para “ideais”) – 1 isso sim é que faz parte de meu ofício. A realidade foi despojada de seu valor, de seu sentido, de sua veracidade justamente no mesmo grau em que foi falsificado um mundo ideal... O “mundo verdadeiro” e o “mundo aparente” – em alemão: o mundo falsificado e a realidade... A mentira do ideal foi, até agora, a blasfêmia contra a realidade; a própria humanidade foi enganada por ela e tornou-se falsa até o mais baixo de seus instintos – a ponto de adorar os valores inversos como se fossem aqueles com os quais ela poderia garantir para si a prosperidade, o futuro, o direito altivo ao futuro.


Pág. 18 – linha 16
A filosofia, assim como a entendi até agora, é a vida espontânea no gelo e nas montanhas mais altas – a procura de tudo que é estranho e duvidoso na existência, de tudo aquilo que até agora foi excomungado pela moral.


Pág 18 – linha26
Quanta é a verdade que um espírito humano suporta, quanta é a verdade que ele ousa? Essa foi, para mim, e cada vez mais, a tábua para medir valores. Engano ( - a crença no ideal - ) não é cegueira, engano é covardia...Toda conquista, todo passo adiante no conhecimento é conseqüência da coragem, da dureza em relação a si mesmo...Eu não refuto os ideais, eu apenas visto luvas diante deles...Nitimur in vetitum: 4 é sob esse signo que a minha filosofia sai vitoriosa, pois até agora sempre foi proibida fundamentalmente apenas a verdade...


Pág. 27 – linha 2
(...) Pois é preciso que se dê atenção a isso: os anos em que minha vitalidade foi mais débil foram os anos em que deixei de ser pessimista: o instinto do auto-reestabelecimento me proibiu uma filosofia da miséria e do desanimo... E é nisso que se reconhece, no fundo, a vida-que-deu-certo! No fato de um homem bem educado fazer bem aos nossos sentidos: no fato de ele ser talhado em uma madeira que é dura, suave e cheirosa ao mesmo tempo. A ele só faz gosto o que lhe é salutar; seu prazer, seu desejo acabam lá onde as fronteiras do salutar passam a estar em perigo. Ele adivinha meios curativos contra lesões, ele aproveita acasos desagradáveis em seu próprio favor; o que não acaba com ele, fortalece-o. Ele acumula por instinto tudo aquilo que vê, ouve e experimenta à sua soma: ele é um princípio selecionador, ele reprova muito. Ele está sempre em sua própria companhia, mesmo que esteja em contato com livros, pessoas ou paisagens: ele honra pelo ato de selecionar, pelo ato de permitir, pelo ato de confiar. A todo o tipo de estímulo ele reage lentamente, com aquela lentidão que uma longa cautela e um orgulho desejado inculcaram nele – ele testa o estímulo que se aproxima; ele está longe de ir ao encontro dele. Ele não acredita nem no “infortúnio” nem na “culpa”: ele se dá conta de si mesmo e dos outros; ele sabe esquecer...Ele é forte o suficiente a ponto de fazer com que tudo tenha de vir para o seu bem...Vá lá, eu sou o antípoda de um décadent: pois acabei de descrever a mim mesmo.


Pág. 35 – linha 11
Para mim o “amor ao próximo” é nada mais que uma fraqueza, um caso isolado que demonstra a incapacidade de opor resistência a um estímulo – a piedade é uma virtude apenas entre os décadents.


Pág 36 – linha 15
O meu método de desforra consiste em mandar, o mais rápido possível, uma atitude inteligente atrás de uma burrice: assim, talvez a mesma ainda possa ser alcançada. Para falar numa comparação: eu mando um pote de confeites para me livrar de uma história azeda... Basta que me façam algo de mau, que eu vou à “desforra” por causa disso, isso é certo: em pouco tempo encontro uma oportunidade de expressar meu agradecimento ao “malfeitor” (inclusive agradecendo-lhe o mal-feito) – ou de pedir algo a ele, o que pode ser mais cortês do que dar alguma coisa... A carta mais grosseira, ainda é mais bondosa, mais honesta do que o silêncio. Àqueles que silenciam quase sempre lhes falta algo em fineza e polidez de coração; silenciar é uma falta objeção; engolir sapos faz, irremediavelmente, um mau caráter – e inclusive estraga o estômago... Todos aqueles que silenciam são dispépticos. – Vede bem, eu não pretendo ver a grosseria sendo desprezada, ela é, de longe, a forma mais humana da objeção e, em meio à suavização moderna, uma de nossas maiores virtudes. Se a gente é rico o suficiente, é até mesmo uma ventura não ter razão. Um deus, que viesse à terra, por certo não haveria de fazer nada a não ser injustiças – tomar não o castigo, mas sim a culpa sobre as costas, isso é que seria divino.


Pág 38 – linha 12
(...) Porque a gente se consumiria com demasiada rapidez, caso reagisse, a gente passa a não reagir mais: essa é alógica. E nada é capaz de nos haurir de modo mais rápido do que as emoções da mágoa. O desgosto, a suscetibilidade doentia, a impotência para a vingança, o desejo, a sede de vingança, o ato de mexer nos venenos da alma em todos os sentidos – por certo é, para os esgotados, a pior maneira de reagir: um consumo rápido da força nervosa, uma elevação doentia de desejos nefastos, por exemplo da bílis do estômago, são condicionados por essas coisas. A mágoa, o ressentimento, é proibido em si para os enfermos – sua propensão malévola, mas, lamente-se, também a sua propensão mais natural. Tudo isso já foi compreendido por aquele psicólogo profundo: Buda. Sua “religião”, que poderia ser melhor classificada como uma higiene, a fim de não mistura-la a coisas tão altamente dignas de pena como o cristianismo, fazia seus efeitos dependerem do triunfo sobre o ressentimento: libertar a alma disso – eis o primeiro passo para o restabelecimento. “Não é através da hostilidade que se põe um fim à hostilidade, é através da amizade que se põe um fim à hostilidade”: é isso que está no princípio dos ensinamentos de Buda – e assim não fala a moral, assim fala a psicologia. O ressentimento, nascido da fraqueza, não é prejudicial a ninguém mais do que o próprio fraco – no caso inverso, em que uma natureza rica é o pressuposto, ele é um sentimento desnecessário, um sentimento que, dominado, já concede, por assim dizer, a prova da riqueza de quem o domina.


Pág 40
(...) o pháthos 3 agressivo faz parte, necessariamente, da força, assim como os sentimentos da vingança e da revanche fazem parte da fraqueza. A mulher, por exemplo, é vingativa: isso é condicionado por sua fraqueza tanto quanto pelo seu interesse pela penúria alheia. – A força daquele que ataca tem na resistência, que ele necessita, uma espécie de medida; todo crescimento se revela na procura de um inimigo – ou de um problema – poderoso: pois o filósofo que é guerreiro também desafia os problemas a duelar com ele. A tarefa não é, absolutamente, se tornar senhor sobre as resistências comuns, mas sim sobre aquelas que exigem que a gente acione toda a força, toda a flexibilidade e a maestria nas armas – subjugar inimigos iguais...Igualdade ante o inimigo – o primeiro pressuposto de um duelo honesto. Onde a gente despreza, não se pode fazer guerra; onde a gente ordena, onde a gente vê alguma coisa abaixo de si, não se pode fazer guerra. – Minha práxis na guerra pode ser resumida em quatro sentenças. Primeiro: eu apenas ataco coisas que são vitoriosas – caso for necessário eu espero até que elas sejam vitoriosas. Segundo: eu apenas ataco coisas as quais jamais encontraria aliados, contra as quais tenho de me virar sozinho – contra as quais tenho de me compreender sozinho...Jamais dei um passo em público que não comprometesse: é esse o meu critério de ação correta. Terceiro: eu jamais ataco pessoas – eu apenas me sirvo da pessoa como uma poderosa lente de aumento, através da qual é possível tornar manifesta uma situação de necessidade comum, mas furtiva e pouco tangível.


Pág 42
(...) minha humanidade não consiste em sentir junto com a pessoa como ela é, mas sim em suportar o fato de senti-la...


Pág 45
A gente perde mui facilmente o olhar correto para aquilo que a gente fez quando o desfecho é ruim: um sentimento de culpa me parece uma espécie de “olhar maldoso”. Guardar na honra aquilo que acaba dando errado, tanto mais pelo fato de ter dado errado – isso está bem mais perto de fazer parte da minha moral...


Pág 50
(...) Sentar o menos possível; não acreditar em nenhum pensamento que não tenha nascido ao ar livre e em livre movimentação – quando também os músculos estiverem participando da festa. Todos os preconceitos vêm das vísceras...A vida sobre as nádegas – eu já disse uma vez – é que é o verdadeiro pecado contra o espírito santo...


Pág 51
A influência climática sobre o metabolismo, sua redução e seu aumento, vai tão longe que uma escolha errada no que diz respeito ao lugar e ao clima pode não apenas alienar alguém de sua tarefa, como também chegar ao ponto de evitar que ele chegue até ela: e então ele jamais fica cara a cara com ela.
(...) A velocidade do metabolismo está intimamente ligada à capacidade de movimento ou à capenguice dos pés do espírito; o próprio “espírito” na verdade não passa de uma forma desse metabolismo.


Pág. 54
A gente tem que sair do caminho do acaso, do estímulo externo tão rápido quanto for possível: uma espécie de construir-um-muro-em-volta-de-si-mesmo faz parte das primeiras sagacidades instintivas da gravidez espiritual. Haverei de permitir que um pensamento estranho escale em segredo o muro?...Isso significa ler...Ao tempo do trabalho e da frutificação segue o tempo do recreio: vinde, pois, vós, os livros agradáveis, espirituosos e argutos!


Pág. 58
O grande poeta bebe apenas de sua própria realidade (...)


Pág. 65
Uma outra mostra de inteligência e autodefesa consiste em reagir tão raramente quanto possível e em evitar lugares e condições nas quais se estaria condenado a suspender de imediato sua “liberdade”, sua iniciativa, para se tornar um simples reagente. Eu tomo a relação com os livros como parâmetro comparativo. O erudito, que no fundo apenas se limita a “moer” livros – o filólogo de atividade mediana, cerca de duzentos por dia -, ao fim das contas acaba perdendo por completo a capacidade de pensar por si mesmo. Quando ele não mói, ele não é capaz de pensar. Ele responde a um estímulo (um pensamento lido) quando ele pensa...ao fim e ao cabo ele apenas reage. O erudito gasta toda sua força em dizer sim e não, na crítica do já pensado – ele mesmo não pensa mais... O instinto da autodefesa tornou-se frouxo nele; pois se assim não fosse ele iria se precaver contra os livros.
(...) Ler um livro de manhã bem cedo, ao nascer do dia, em todo o frescor, na aurora de suas forças – isso eu chamo de vicioso!...


Pág. 67
Expressado moralmente: amor ao próximo, viver para os outros e outras coisas pode ser a medida de defesa para a manutenção do mais duro dos egocentrismos.


Pág. 69
Aquilo que a humanidade ponderou seriamente até o presente momento nem sequer são realidades, são puras ilusões, ou, para dize-lo de um modo mais duro, mentiras advindas dos instintos ruins de naturezas enfermas, prejudiciais no mais profundo dos sentidos – toda essa série de noções: “Deus”, “alma”, “virtude”, “pecado”, “além”, “verdade”, “vida eterna”... Mas nelas se procurou a grandeza da natureza humana, seu “caráter divino” – todas as questões relativas à política, à ordem social, à educação são, por isso, falsificados até a raiz, de modo que foram tomados por grandes os homens mais perniciosos... De modo que se ensinou a desprezar as “pequenas” coisas, quero dizer, as questões fundamentais da vida...


Pág. 75
Para aquilo que a gente não alcança através da vivência, a gente também não tem ouvidos.


Pág. 80
A gente não deve jamais poupar a si mesmo.

Pág. 81
Comunicar um estado, uma tensão interna de páthos (3) através de sinais, incluída a velocidade desses sinais – esse é o sentido de todo o estilo.


Pág. 90
(...) precisamente tão longe quanto a coragem pode ousar adiantar-se é o que determina a medida das forças comas quais a gente se aproxima da verdade. O discernimento, o dizer-sim à realidade é, para o forte, uma necessidade tão grande quanto a covardia e a fuga da realidade – o “ideal” – o é para o fraco, subjugado sob a inspiração da fraqueza... (...) os décadents têm necessidade da mentira; a mentira é uma das condições de sua conservação...

Pág. 114
Que sentido têm aqueles conceitos mentirosos, os conceitos auxiliares da moral, da “alma”, do “espírito”, do “livre-arbítrio”, de “Deus”, se não o de arruinar fisiologicamente a humanidade?...Quando se desvia a seriedade da autoconservação, da fortificação do corpo, quer dizer, da vida, quando se faz da anemia um ideal, quando se constrói “a salvação da alma” sobre o desprezo ao corpo, o que é isso se não uma receita para a décadence? – A perda do equilíbrio, a resistência contra os instintos naturais, em uma palavra, a “ausênsia-de-si” – tudo isso foi chamado de moral até agora...

Pág 161
Homens bons jamais falam a verdade. Falsos portos e certezas ensinaram-vos os bons; nas mentiras dos bons fostes nascidos e mantidos. Tudo foi distorcido e mentido até o âmago pelos bons.

Pág 162
Se a falsidade reivindica a toda custa a palavra “verdade” para a sua ótica, o verdadeiro de fato deverá ser encontrado sob os piores nomes.