Livro I
“A maneira mais comum de amolecer o coração dos que nos ofendem,
quando, vingança em mãos, eles nos têm à sua mercê, é
comovê-los pela nossa submissão, inspirando-lhes comiseração e
piedade. Entretanto a bravura, a tenacidade e a resolução, meios
inteiramente opostos, alcançam às vezes idêntico resultado.”
(Cap. 1, p. 13.)
“A organização dos funerais, a escolha da sepultura, pompa das
exéquias, são menos necessárias à tranquilidade dos mortos do que
o consolo dos vivos.” (Santo Agostinho) (cap. 3, p. 19.)
“Queres saber onde estarás depois de morto? Irás para onde se
encontram as coisas ainda por nascerem.” (Sêneca) (cap. 3, p. 20.)
“Se não os ocupamos - os espíritos – com certos assuntos que os
absorvam e disciplinem, enveredam ao léu, sem peias, pelo campo da
imaginação.” (Cap. 8, p. 25.)
“ […] é não estar em nenhum lugar, estar em toda parte.”
(Marcial) (Cap. 8 p. 25.)
“Facilita-lhes a tarefa o falar obscuro, ambíguo, fantasia do
jargão profético, pois os que o empregam abstêm-se de se
exprimirem com clareza, a fim de que a posteridade possa arranjá-lo
a seu gosto.” (Cap. 11, p. 31.)
“A perseverança consiste em suportar com resignação os incômodos
para os quais não temos remédio.” (Cap. 12, p. 31)
“Só sentimentos a morte pelo pensamento, tanto mais quanto é
coisa de um instante: 'Ou a morte foi, ou será, nada é presente
nela.'” (La Boétie) (cap. 14, p. ?)
“A opinião que temos das coisas é que as valoriza. Isso se vê
pelo grande número daquelas que não examinamos a não ser para as
avaliar, antes que a nós mesmos. Não lhes ponderamos nem a
qualidade nem a utilidade, mas apenas o que nos custam para as
obtermos, como se o que pagamos fosse parte integrante delas; e o
valor que lhes atribuímos mede-se não pelos serviços que nos
prestam, mas pelo que demos para consegui-las. Isso me induz a achar
que as usamos de maneira estranha, pois valem segundo o que pesam e
na medida do peso. E nunca as deixamos desvalorizarem-se.” (Cap.
14, p. 39.)
“Estamos bem ou normal neste mundo segundo o que pensamos: contente
está quem se acredita contente e não aquele e não aquele que os
outros imaginam contente. Nossa crença é que faz seja ou não seja
real a felicidade.” (Cap. 14, p. 41.)
“Não basta ver a coisa, importa como vê-la.” (Cap. 14, p 41.)
“Que o piloto se contente com falar dos ventos, o lavrador de
touros, o guerreiro de seus ferimentos e o pastor de suas ovelhas”.
(Propércio.) (Cap. 17, p. 44.)
“Marchamos para a morte: nosso destino agita-se na urna funerária;
um pouco mais cedo, um pouco mais tarde, o nome de cada um dali sairá
e a barca fata nos levará a todos ao eterno exílio.” (Horácio.)
(Cap. 20, p. 49.)
“A meta de toda existência é a morte” […] (Cap. 20, p. 49)
“Para começar a despojá-la da vantagem maior de que dispõe
contra nós, tomemos por caminho inverso ao habitual. Tiremos dela o
que tem de estranho; pratiquemo-la, habituemo-nos a ela, não
pensemos em outra coisa; tenhamo-la a todo instante presente em nosso
pensamento e sob todas as suas forma. Ao tropeço de um cavalo, à
queda de uma telha, à menor picada de alfinete, digamos: se fosse a
morte! E esforcemo-nos em reagir contra a apreensão que uma tal
reflexão pode provocar.” (Cap. 20, p. 50.)
“Pensa que cada dia é teu último dia, e aceitarás com gratidão
aquele que não mais esperavas.” (Horácio.) (Cap. 20, p. 51.)
“Quero que a morte me surpreenda em pleno trabalho.” Ovídio. p.
52.
“Vamos agir portanto e prolonguemos os trabalhos da existência
quanto pudermos, e que a morte nos encontre a plantar as nossas
couves, mas indiferentes à sua chegada e mais ainda ante as nossas
hortas inacabadas.” (Cap. 20, p . 52.)
“[...]quem ensinasse os homens a morrer os ensinaria a viver.”
(Cap. 20, p . 52.)
“[…] por que temeríamos perder uma coisa que uma vez perdida, já
não podemos lamentar?” (Cap. 20, p. 53)
“A vida em si não é um bem nem um mal. Tornar-se bem ou mal
segundo o que dela fazeis.”(Cap. 20, p. 53)
“Giramos sempre em torno do mesmo círculo.” (Lucrécio.) (Cap.
20, p. 54)
“O tempo que perdeis não vos pertence mais do que o que precedeu
vosso nascimento, e não vos interessa: “Considerai em verdade que
os séculos inumeráveis, já passados, são para vós como se não
tivessem sido.” (Lucrécio.) (Cap. 20, p. 54)
“Todos os dias levam a morte, só último a alcança.” (Cap. 20,
p. 54.)
“Quando ela se aproxima [a morte], há uma modificação total em
nossa vida cotidiana: mães, mulheres e crianças gritam e se
lamentam. Inúmeras pessoas nos visitam, consternadas; a gente da
casa aí está, pálida e desesperada; a obscuridade reina no quarto;
acendem-se velas; à nossa cabeceira juntam-se padres e médicos;
tudo, em suma, em volta de nós se dispõe como para inspirar horror;
ainda não rendemos o último suspiro, e já estamos amortalhados e
enterrados.” (Cap. 20, p. 55.)
“[…] essas falhas divertidas verificáveis na consumação do
casamento e que constituem um obcecante entrave a preocupar a nossa
sociedade, não passam no fundo de um efeito da apreensão e da
timidez.” (Cap. 21, p. 56)
“Quem foi vítima uma vez de sua imaginação e passou por essa
vergonha (a qual se verifica quase sempre no início de uma ligação,
poque o desejo é mais vivo e ardente e porque, desejoso de
impressionar favoravelmente, teme o malogro), em tendo mal começado
ressente-se do despeito que experimentou e corre o risco de ver
repetir-se a desventura daí por diante.” (Cap. 21, p. 57)
“Para demonstrar o poder de nossa vontade, alude Santo Agostinho a
alguém que produzia, a seu bel-prazer, evacuações sonoras de gases
intestinais.” (Cap. 21, p. 58.)
“Finalmente na defesa que faço desse orgão, direi: quanto ao que
lhe censuram, a causa está inseparavelmente ligada à de outro orgão
seu associado, e no entanto só o meu cliente é incriminado, porque
há contra ele argumentos e fatos que não se podem invocar contra o
seu cúmplice, ao qual apenas se há de culpar de provocações por
vezes importunas. Jamais de falhar. Ademais essas provocações são
discretas e tranquilas.” (Cap. 21, p. 58.)
“[…] quem se analise a si mesmo, verá no fundo do coração que
a maioria de seus desejos só nascem e se alimentam em detrimento de
outrem. Em se meditando a propósito, percebe-se que a natureza não
foge, nisso, a seu princípio essencial, pois admitem os físicos que
toda coisa nasce, se desenvolve e cresce em consequência da
alteração e corrupção de outra: 'Logo que uma coisa qualquer muda
de maneira de ser, disso resulta imediatamente a morte do que ela era
antes.'” (Lucrécio) (Cap. 22, p. 60.)
“[…] o costume é efetivamente um pérfido e tirânico
professor.” (Cap. 23, p. 61)
“[…] o hábito atrofia nossos sentidos.” (Cap. 23, p. 61)
“Acredito que nossos maiores vícios se implantam em nós já na
mais tenra infância e que a parte principal de nossa educação se
acha nas mãos de nossa ama.” (Cap. 23, p. 61.)
“[…] a má ação não o é menos ou mais segundo se trate de
escudos ou alfinetes; a má ação é má em si mesma.”(Cap. 23, p.
62.)
“[…] os jogos infantis devem julgar-se não apenas como
divertimentos mas ainda como ações de importância.” (Cap. 23, p.
62.)
“O hábito impedira-me até então de perceber o estranho da coisa,
a qual nos repugnaria profundamente se no-la apresentassem como sendo
praticada em outro país.” (Cap. 23, p. 62.)
“[...]o hábito retira-nos a possibilidade de um juízo sadio. Não
são os bárbaros motivo de maior estranheza para nós do que nós
para eles […]” (Cap. 23, p. 62)
“O principal efeito da força do hábito reside em que se apodera
de nós a ta ponto que já quase não está em nós recuperarmo-nos e
refletirmos sobre os atos a que nos impele.” (Cap. 23, p. 65.)
“[…] imaginamos que as idéias aceitas em torno de nós, e
infundidas em nós por nossos pais, são absolutas e ditadas pela
natureza. Daí pensarmos que o que está fora dos costumes está
igualmente fora da razão […]” (Cap. 23, p. 65.)
“Quanto às coisas indiferentes, como as vestimentas, a quem as
quisesse adaptar ao seu objetivo verdadeiro, que é serem cômodas e
úteis e bem adequadas ao corpo, o que lhes dá graça e atende ás
conveniências, eu assinalaria como atingindo, a meu ver, o limite do
grotesco, os nossos bonés quadrados e essa longa cauda de veludo
pregueado e de enfeites variegados que pende da cabeça de nossas
mulheres; e também os nossos calções que, tola e inutilmente, nos
amoldam um membro de que mal podemos falar honestamente e que assim
acabamos como que exibindo em público.” (Cap. 23, p. 67.)
“Quem não se comove ante uma antiguidade atestada através de
tantos brilhantes testemunhos?” (Cícero) (Cap. 23, p. 69.)
“[…] os oradores, quando lhes ocorrem esses movimentos de alma e
esses transportes extraordinários que os fazem alçar-se muito além
de seus intentos.” (Cap. 24, p.
71.)
“É excelente maneira de conquistar os corações e a boa vontade
das gentes apresentar-se altivo e confiante, conquanto assim se faça
espontaneamente e não constrangido pela necessidade.” (Cap.
24, p. 72.)
“[...]não basta que as instituições não nos tornem piores, é
preciso que nos façam melhores.” (Cap. 25, p. 76)
“Não cabe justapor o saber à alma, cumpre incorporá-lo a ela.”
(Cap. 25, p . 77)
“Nenhuma
lei tem valor efetivo, fora daquelas a que Deus deu uma duração tal
que ninguém lhes conhece a origem nem as viu diferentes.” (Cap.
43, p. 133)
“Conta-se
que a fundação de Notre Dame La Grande, em Poitiers, é divida ao
fato de um jovem debochado, que morava no local, haver encontrado uma
prostituta à qual indagou do nome. Em lhe respondendo que era Maria,
acordou nele repentinamente seus sentimentos religiosos. Tomado então
de respeito pelo nome da Virgem, não só expulsou imediatamente a
mulher como se corrigiu em definitivo. Em vista desse milagre, ali se
construiu uma capela a Nossa Senhora e mais tarde a igreja que
conhecemos.” (Cap. 46, p. 135)
“Qualquer
ato nos revela o que somos. […] Julga-se um cavalo não apenas pelo
galope, mas ainda pelo passo natural e até em seu descanso na
estrebaria.” (Cap. 50, p. 147)
“Todo
pormenor da existência do homem, toda ocupação a que se entregue,
o revelam e mostram com suas qualidades e defeitos.” (Cap. 50, p.
147)
“Na
antiga literatura grega deparamo com poema em forma de ovo, de bola,
de asa, de machadinha, obtidos mediante a variação das medidas dos
versos que se encurtam ou alongam para, em conjunto, representar tal
ou qual imagem.” (Cap. 54, p. 151)
“Parece
haver motivos para afirmar que existe uma ignorância inicial que
precede a ciência e uma ignorância doutoral que a segue. A ciência
faz e engendra esta última, assim como desfaz e destrói a
primeira.” (Cap. 54, p. 151)
“E é
pura fantasia imaginar que podemos morrer de esgotamento em virtude
de uma extrema velhice, e assim fixar a duração da vida, pois esse
gênero de morte é o mais raro de todos. E a isso chamamos de morte
natural como se fosse contrário a natureza um homem quebrar a cabeça
numa queda, afogar-se em algum naufrágio, morrer de peste ou de
pleurisia.” (Cap. 57, p. 158)
XXXX