NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Crepúsculo dos ídolos, ou, como se filosofa com o martelo. Porto Alegre: L&PM, 2010. 144p.
Ditos e setas
[...]
5.
Há muitas coisas que, de uma vez por todas, não quero saber. – A sabedoria traça limites também para o conhecimento. [p. 18]
[...]
7.
Como? O homem é apenas um erro de Deus? Ou será Deus apenas um erro do homem? [p. 19]
8.
Da escola de guerra da vida. – O que não me mata me torna mais forte. [p. 19]
9.
Ajuda a ti mesmo: então todos te ajudarão. Princípio do amor ao próximo. [p. 19]
10.
Que não sejamos covardes em relação aos nossos atos! Que não os abandonemos uma vez consumados! – O remorso é indecente. [p. 19]
[...]
12.
Quando alguém tem o seu por quê? Da vida, tolera quase qualquer como? – O ser humano não aspira à felicidade; isso é coisa que só os ingleses fazem. [p. 19]
[...]
14.
O quê? Estás à procura? Gostarias de te multiplicar por dez, por cem? Procuras seguidores? – Procura zeros! [p. 20]
[...]
18.
Quem não sabe colocar sua vontade nas coisas, coloca nelas pelo menos um sentido: ou seja, acredita que já exista nelas uma vontade (princípio da “fé”). [p. 20]
[...]
31.
O verme se encolhe quando pisado. Uma atitude prudente. Diminui assim a probabilidade de ser pisado outra vez. Na linguagem da moral: humildade. [p. 23]
[...]
34.
[...] Apenas os pensamentos caminhados têm valor. [p. 23]
[...]
37.
Corres à frente? – Fazes isso na condição de pastor ou de exceção? Uma terceira possibilidade seria o desertor... Primeiro caso de consciência. [p. 24]
[...]
41.
Queres ir junto? Ou à frente? Ou andar sozinho?... Devemos saber o que queremos e que o queremos. Quarto caso de consciência. [p. 25]
O problema de Sócrates
[...]
2.
Juízos, juízos de valor sobre a vida, a favor ou contra, não podem, afinal, jamais ser verdadeiros: apenas possuem valor como sintomas, apenas como tal entram em consideração – em si, tais juízos são bobagens. É preciso realmente esticar os dedos nessa direção e fazer a tentativa de apreender a assombrosa finesse de que o valor da vida não pode ser apreciado. Não por um vidente, porque ele é parte envolvida, inclusive objeto de disputa, e não juiz; não por um morto, por outra razão. – Dessa forma, o fato de um filósofo ver o valor da vida como um problema e até uma objeção contra ele, um ponto de interrogação quanto à sua sabedoria, uma ignorância. [p. 27]
[...]
5.
Com Sócrates, o gosto grego muda em favor da dialética: o que realmente acontece aí? Sobretudo, um gosto nobre é derrotado; a plebe ascende com a dialética. Antes de Sócrates, as maneiras dialéticas eram repudiadas na boa sociedade: eram consideradas maus modos, eram comprometedoras. [...] [p. 29]
[...]
6.
[...] É preciso ter de obter seu direito à força: antes disso não se faz uso da dialética. [...] [p. 30]
[...]
11.
[...] A mais ofuscante luz diurna, a racionalidade a todo custo, a vida lúcida, fria, cautelosa, consciente, sem instinto, em oposição aos instintos, tudo isso era apenas uma doença, mais uma doença – e de forma alguma um retorno à “virtude”, à “saúde”, à felicidade... Ser forçado a combater os instintos – essa é a fórmula da décadence: enquanto a vida ascende, felicidade é sinônimo de instinto.
A razão na filosofia
1.
Os senhores me perguntam quais são as idiossincrasias dos filósofos?... Por exemplo, sua falta de sentido histórico, seu ódio à própria idéia de devir, seu egipcianismo. Eles acreditam honrar uma coisa ao despojá-la de seu aspecto histórico sub specie aeterni – ao fazer dela uma múmia. Tudo o que os filósofos manusearam há milênios foram múmias conceituais, nenhuma realidade escapou viva de suas mãos. [...] [p. 34]
[...] Todos acreditam, até com desespero, no ser. Como, porém, não conseguem agarrá-lo, buscam as razões pelas quais são privados de possuí-lo. “Deve haver uma aparência, um embuste, que nos impede de perceber o ser: onde está o embusteiro?” – “Nós o apanhamos”, gritam radiantes, “é a sensibilidade! Esses sentidos, que aliás também são tão imorais, nos enganam acerca do mundo verdadeiro. Moral: livrar-se do engano dos sentidos, do devir, da história, da mentira – a história não passa de crença nos sentidos, de crença na mentira. Moral: negar tudo que crê nos sentidos, o resto da humanidade: ela não passa de ‘povo’. Ser filósofo, ser múmia, representar o monoteísmo fazendo uso de uma mímica de coveiro! - E fora, sobretudo, com o corpo, essa deplorável idée fixe dos sentidos! Esse corpo acometido por todos os erros de lógica existentes, refutado, até impossível, ainda que seja atrevido o bastante para se portar como se fosse real!...” [p. 35]
2.
[...] A “razão” é a causa de falsearmos o testemunho dos sentidos. [...] O mundo “aparente” é o único: o “mundo verdadeiro” é apenas um acréscimo mentiroso... [p. 35]
3.
[...] A ciência que hoje possuímos vai exatamente tão longe quanto nos decidimos a aceitar o testemunho dos sentidos – tão longe quanto ainda aprendemos a aguçá-los, armá-los e pensá-los até o fim. [...] [p. 36]
4.
[...] Todos os valores superiores são de primeira categoria, todos os conceitos supremos, o ser, o absoluto, o bem, o verdadeiro, o perfeito – nenhum deles pode ter experimentado o devir, devem, por conseguinte, ser causa sui. Mas, além disso, esses conceitos não podem ser desiguais entre si, não podem ser contraditórios... e assim os filósofos chegam ao seu estupendo conceito de “Deus”... A coisa última, a mais rarefeita, a mais vazia é colocada em primeiro lugar, como causa em si, como ens realissimum... Ah, que a humanidade tenha levado a sério as enfermidades cerebrais desses mórbidos fiadores de patranhas! – Ela pagou caro por isso!... [p. 37]
[...]
6.
[...] As razões pelas quais “este” mundo foi chamado de aparente fundamentam, pelo contrário, sua realidade – uma outra espécie de realidade é absolutamente indemonstrável.
[...] As características que foram atribuídas ao “ser verdadeiro” das coisas são características do não-ser, do nada – o “mundo verdadeiro” foi construído em oposição ao mundo real: na verdade, ele é um mundo aparente na medida em que é meramente uma ilusão ótico-moral.
[...] Não há sentido algum em fabular acerca de um “outro” mundo além deste se não houver um instinto de calúnia, de amesquinhamento, de suspeita em relação à vida nos dominado: nesse caso, nos vingamos dela com a fantasmagoria de uma “outra” vida, de uma vida “melhor”.
[...] O fato de o artista dar mais valor a aparência do que à realidade não constitui objeção a essa tese. Pois, nesse caso, “a aparência” significa a realidade mais uma vez, só que selecionada, reforçada, corrigida... O artista trágico não é pessimista – ele justamente diz sim a tudo aquilo que é questionável e mesmo terrível; ele é dionisíaco... [p. 39]
A moral como antinatureza
1.
[...] Outrora, em razão da estupidez nas paixões, se combatiam as próprias paixões: conspirava-se para a sua aniquilação – todos os velhos monstros morais são unânimes na opinião de que Il faut tuer lês passions. [...] Aniquilar as paixões e os apetites apenas para evitar sua estupidez e as conseqüências desagradáveis dessa estupidez nos parece hoje apenas uma forma aguda de estupidez. [...] Porém, arrancar as paixões pela raiz significa arrancar a vida pela raiz: o procedimento da Igreja é hostil à vida... [p. 43]
2.
O mesmo expediente – castração, extirpação – é escolhido instintivamente por aqueles que, ao lutarem contra um apetite, são muito fracos de vontade, muito degenerados para serem capazes de se colocar um limite quanto a ele [...] Os expedientes radicais são imprescindíveis apenas aos degenerados: a fraqueza da vontade; a fraqueza da vontade – dito mais exatamente, a incapacidade de não reagir a um estímulo – é ela própria apenas outra forma de degenerescência. [...] [p. 44]
3.
[...] Em todas as épocas, a Igreja quis a aniquilação de seus inimigos: nós, imoralistas e anticristãos, vemos nossa vantagem no fato de a Igreja continuar existindo... Também no âmbito da política a hostilidade se tornou hoje mais espiritual – muito mais sagaz, muito mais reflexiva, muito mais cuidadosa. Quase todo partido considera uma questão de autoconservação que o partido adversário não perca suas forças; o mesmo vale para a grande política. Especialmente uma nova criação, o novo Reich, por exemplo, tem mais necessidade de inimigos do que de amigos: é apenas no antagonismo que ele se sente necessário, apenas no antagonismo que ele se torna necessário... Não nos comportamos de forma diferente quanto ao “inimigo interior”: também neste caso espiritualizamos a hostilidade, também neste caso espiritualizamos a hostilidade, também neste caso compreendemos o seu valor. Só se é fértil ao preço de ser rico em oposições; só se permanece jovem se a alma não se espreguiça, não anseia pela paz... [...] [p. 45]
4.
[...] Todo naturalismo na moral, ou seja, toda moral sadia, é dominado por um instinto de vida um mandamento qualquer da vida é preenchido por um cânone determinado de “deves” e “não deves”, quaisquer obstáculos e hostilidades no caminho da vida são assim removidos. A moral antinatural, ou seja, quase toda moral que até agora foi ensinada, venerada e pregada, volta-se, ao contrário, justamente contra os instintos da vida – ela é uma condenação desses instintos, ora secreta, ora sonora e atrevida. [...] A vida acaba onde o “reino de Deus” começa... [p. 46]
5.
[...] Quando falamos de valores, falamos sob a inspiração, sob a ótica da vida: a própria vida nos força a fixar valores, a própria vida valora através de nós quando fixamos valores... Segue-se daí que também aquela moral antinatural que compreende Deus como conceito contrário à vida e como sua condenação é apenas um juízo de valor da vida – de que vida? De que espécie de vida? – Mas já dei a resposta: da vida declinante, enfraquecida, cansada, condenada. [...] [p. 47]
6.
Consideremos ainda, por fim, que ingenuidade é dizer: “O homem deveria ser assim e assim!”. A realidade nos mostra uma riqueza encantadora de tipos, a exuberância de um pródigo jogo de formas, de uma pródiga mudança de formas: e vem um miserável moralista indolente e diz: “Não! O homem deve ser diferente”?... [...] O indivíduo, visto de todos os lados, é um fragmento de fatum, é uma lei a mais, uma necessidade a mais para tudo que vem e que será. Dizer-lhe que “se modifique” significa exigir que tudo se modifique, mesmo o que passou... [...] A moral, na medida em que condena em si, e não por considerações, atenções e determinações da vida, é um erro específico pelo qual não se deve ter compaixão, uma idiossincrasia de degenerados que provocou danos indizíveis! [...] [p. 48]
Os quatro grandes erros
[...]
2.
Eis a fórmula mais geral que está no fundamento de todas as religiões e morais: “Faça isto e aquilo, não faça isto e aquilo – assim serás feliz! Caso contrário...” Todas as morais, todas as religiões, são esse imperativo – eu o chamo de o grande pecado original da razão, a desrazão imortal. Em minha boca, essa fórmula se transforma em seu contrário – primeiro exemplo de minha ”transvaloração de todos os valores”: um homem bem constituído, um “homem feliz”, precisa executar determinadas ações e receia outras por instinto, ele introduz nas suas relações com pessoas e coisas a ordem que representa fisiologicamente. Numa fórmula: sua virtude é a conseqüência de sua felicidade... [...] A Igreja e a moral dizem: “Uma estirpe, um povo, são arruinados pelo vício e pelo luxo”. Minha razão restabelecida diz: quando um povo se arruína, quando degenera fisiologicamente, então seguem-se o vício e o luxo (quer dizer, a necessidade de estímulos cada vez mais fortes e mais freqüentes, conforme a conhece toda natureza esgotada). [...] o fato de não ter resistido à doença, já foi conseqüência de uma vida empobrecida, de um esgotamento hereditário. [...] Todo erro, em todos os sentidos, é conseqüência de uma degeneração dos instintos, de uma desagregação da vontade: com isso quase se define aquilo que é ruim. Tudo aquilo que é bom é instinto – e, consequentemente, leve, necessário, livre. [...] [p. 51]
3.
[...] o homem projetou para fora de si os três “fatos interiores”, aquilo em que mais firmemente acreditava, a vontade, o espírito e o eu – ele tomou o conceito de ser a partir do conceito de eu, estabeleceu as “coisas” como existentes segundo sua própria imagem, segundo seu conceito de eu como causa. Como se admirar de que posteriormente sempre tenha encontrado nas coisas aquilo que introduziu nelas? [...] O erro do espírito como causa confundido com a realidade! E transformado em medida da realidade! E chamado de Deus! [p. 53]
[...]
5.
[...] Reduzir algo desconhecido a algo conhecido alivia, acalma, satisfaz e, além disso, dá uma sensação de poder. Como o desconhecido vem o perigo, a inquietação, a preocupação – o primeiro instinto se volta para a eliminação desses estados desagradáveis. Primeiro princípio: qualquer explicação é melhor que nenhuma. Por se tratar, no fundo, apenas de um desejo de ser livre de representações opressivas, não se é lá muito rigoroso com os expedientes para tanto: a primeira idéia que explica o desconhecido como conhecido faz tão bem que é “tomada por verdadeira”. A prova do prazer (“da força”) como critério de verdade. – O impulso causal, portanto, depende e é estimulado pelo sentimento do medo. O “por que”? deve, se possível, não tanto fornecer a causa em razão dela mesma, mas, antes, uma espécie de causa – uma causa que tranqüilize, liberte, alivie. A primeira consequência dessa necessidade é o fato de alguma coisa já conhecida, experimentada, inscrita na memória, ser estabelecida como causa. O novo, o não experimentado, o estranho, é excluído como causa.
- Assim, não é buscada como causa tão-somente uma espécie de explicação, mas uma espécie escolhida e privilegiada de explicação, daquelas que eliminam do modo mais rápido, mais frequente, a sensação do estranho, do novo, do não experimentado – as explicações mais habituais. – Consequência: uma espécie de determinação de causas prevalece sempre mais, se concentra num sistema e enfim se sobressai dominante, ou seja, simplesmente excluindo outras causas e explicações. [...] [p. 55]
6.
Todo o âmbito da moral e da religião se inclui nessa noção de causas imaginárias. – “Explicação das sensações gerais desagradáveis. Devem-se a seres que nos são hostis [...]. Devem-se as ações que não podem ser aprovadas [...]. Devem-se a uma punição, a uma retaliação por alguma coisa que não deveríamos ter feito, que não deveríamos ter sido [...]. Devem-se à conseqüências de ações impensadas, que acabaram mal [...]. “Explicação” das sensações gerais agradáveis. Devem-se à confiança em Deus. Devem-se a consciência das boas ações [...]. Devem-se ao bom resultado de empreendimentos [...]. Devem-se a fé, ao amor e à esperança - as virtudes cristãs. Na verdade todas essas explicações são produtos e como que traduções de sensações de prazer ou desprazer num dialeto equivocado: uma pessoa está em condições de ter esperança porque a sensação fisiológica básica está forte e rica novamente; uma pessoa acredita em Deus porque a sensação de plenitude e força lhe dá tranqüilidade. – A moral e a religião se incluem inteiramente na psicologia do erro: em cada caso individual, se confunde causa e efeito; ou a verdade é confundida com o efeito daquilo que se acredita ser verdadeiro, ou um estado de consciência é confundido com a causalidade desse estado. [p. 57]
7.
(importante tcc)
O erro do livre-arbítrio – Hoje não temos mais qualquer compaixão pelo conceito de “livre-arbítrio”: sabemos muito bem o que ele é – o mais infame truque de teólogos que há, cuja finalidade é tornar a humanidade “responsável” no sentido deles, ou seja, torná-la dependente deles... [...] – Em todo lugar onde se procura responsabilidades, costuma ser o instinto de querer punir e julgar que está a procura delas. O devir foi despido de sua inocência quando se busca explicar pela vontade, pelas intenções ou por atos de responsabilidade alguma maneira de ser: a doutrina da vontade foi inventada essencialmente com a finalidade de punir, ou seja, de querer encontrar culpados. [...] [p. 57]
8.
[...] Ninguém é responsável por existir, por ser constituído desta ou daquela forma, por estar nessas circunstâncias, nesse ambiente. A fatalidade de seu ser não pode ser separada da fatalidade de tudo que foi e será. Ele não é a consequência de uma intenção própria, de uma vontade, de uma finalidade; com ele não é feita a tentativa de alcançar um “ideal de homem” ou um “ideal de felicidade” ou um “ideal de moralidade” – é absurdo querer rolar o seu ser na direção de uma finalidade qualquer. Fomos nós que inventamos a noção de “finalidade”: a finalidade está ausente da realidade... Somos necessários, somos um fragmento de destino, pertencemos ao todo, estamos no todo [...] Que ninguém mais seja responsabilizado, que não seja lícito explicar o tipo de ser mediante uma causa prima, que o mundo não constitui uma unidade nem como sensório nem como “espírito”, apenas essa é a grande libertação – apenas assim a inocência do devir é restaurada... O conceito de “Deus” foi até agora a maior objeção à existência... Negamos a Deus, negamos a responsabilidade em Deus: apenas assim libertamos o mundo. [p. 59]
Os “melhoradores” da humanidade
1.
É conhecida a exigência que faço ao filósofo de que se coloque além do bem e do mal – de que tenha abaixo de si a ilusão do juízo moral. Essa exigência resulta de uma compreensão que fui o primeiro a formular: a de que não existem quaisquer fatos morais. O juízo moral tem em comum com o religioso o fato de acreditar em realidades que não são. A moral é apenas uma interpretação de certos fenômenos. [...] A moral é apenas discurso por sinais, apenas sintomatologia: é preciso já saber do que se trata para tirar proveito dela.
2.
[...] Em todas as épocas se quis “melhorar” os homens: isso, sobretudo, foi chamado de moral. Sob a mesma palavra, porém, se escondem as mais diversas tendências. Tanto a domesticação da besta homem quanto o cultivo de um determinado gênero de homem foram chamados de “melhoramento” [...] Chamar a domesticação de um animal de “melhoramento” soa aos nossos ouvidos quase como uma piada. Quem sabe o que acontece nas exposições de feras duvida que nelas a besta seja “melhorada”. Ela é enfraquecida, tornada menos daninha, transformada uma besta doentia através da dor, dos ferimentos, da fome. [...] Falando fisiologicamente: na luta contra a besta, torná-la doente pode ser o único meio de enfraquecê-la. Isso a Igreja entendeu: ela corrompeu o homem, ela o enfraqueceu – mas pretendeu tê-lo “melhorado”... [p. 61]
[...]
4.
[...] O cristianismo, cuja raiz é judaica e só é compreensível como planta desse solo, representa o movimento contrário a toda moral do cultivo, da raça, do privilégio [...] [p. 64]
5.
[...] podemos estabelecer a tese suprema de que para fazer moral é preciso ter a vontade incondicional do contrário. Este é o grande, o monstruoso problema que por mais tempo investiguei: a psicologia dos “melhoradores” da humanidade. [...] a pia fraus [fraude piedosa], o patrimônio de todos os filósofos e sacerdotes que “melhoraram” a humanidade. Nem Manu nem Platão, nem Confúcio nem os mestres judaicos e cristãos alguma vez duvidaram de seu direito à mentira. Eles não duvidaram de direitos muito diferentes... Poderíamos dizer numa fórmula: até o presente, todos os meios pelos quais a humanidade deveria se tornar moral forma radicalmente imorais. [p. 65]
O que falta aos alemães
1.
[...] Paga-se caro por chegar ao poder: o poder imbeciliza... [...] [p. 66]
2.
[...] Quanta gravidade aborrecida, torpor, umidade, roupão, quanta cerveja há na intelectualidade alemã! Como é possível que jovens que consagram sua existência aos fins espirituais não percebam em si o primeiro instinto da espiritualidade, o instinto de autoconservação do espírito – e bebam cerveja? [...] [p. 67]
[...]
4.
[...] Se gastarmos nossas energias com o poder, a grande política, a economia, o comércio internacional, o parlamentarismo, os interesses militares – se gastarmos neste lado a quantidade de entendimento, seriedade, vontade e autossuperação que somos, então ela faltará do outro. A cultura e o Estado – não nos enganemos quanto a isso – são antagonistas: o “Estado cultural” é só uma idéia moderna. Um vive do outro, um prospera às custas do outro. Todas as grandes épocas da cultura são épocas de decadência política: o que é grande no sentido da cultura foi apolítica, mesmo antipolítico. [...] [p. 69]
5.
[...] O que as “escolas superiores” da Alemanha efetivamente alcançam é um adestramento brutal que, com o menor dispêndio possível de tempo, visa tornar um grande número de jovens aproveitável, explorável, para o serviço do Estado. “Educação superior” e grande número – coisas que se contradizem de antemão. [...] Homens de um tipo superior, se me permitem dizê-lo, não gostam de “profissões”, precisamente porque sabem que têm vocações... Eles têm tempo, tomam tempo para si, de modo algum pensam em ficar “prontos” – com trinta anos, no sentido de uma cultura superior, se é um iniciante, uma criança. [...] [p. 72]
6.
[...] Deve-se aprender a ver, deve-se aprender a pensar, deve-se aprender a falar e a escrever: nos três casos, a meta é uma cultura nobre. – Aprender a ver – habituar o olho à calma, à paciência, a deixar que as coisas se aproximem; adiar o juízo, aprender a envolver e cercar o caso particular por todos os lados. Esta é a primeira preparação para a espiritualidade: não reagir imediatamente a um estímulo, mas lançar mão dos instintos que inibem e isolam. Aprender a ver, segundo compreendo, é quase aquilo que o modo de falar não filosófico chama de vontade forte: o essencial aí, é precisamente não “querer”, é poder suspender a decisão. Toda falta de espiritualidade, toda vulgaridade, repousa sobre a incapacidade de resistir a um estímulo – é preciso reagir, segue-se cada impulso. [...] quase tudo que a rudeza não filosófica designa pelo nome de “vício” é apenas essa incapacidade fisiológica de não reagir. [...] [p. 73]
[...]
Incursões de um extemporâneo
[...]
5.
[...] O cristianismo é um sistema, uma visão coerente e global das coisas. Se arrancarmos dele um conceito capital, a fé em Deus, também despedaçamos o todo: não temos mais uma coisa necessária entre os dedos. O cristianismo pressupõe que o homem não sabe, não pode saber, o que é bom e o que é mau para ele: acredita em Deus, o único sabedor. A moral cristã é uma ordem; sua origem é transcendente; ela está além de toda crítica, de todo direito à crítica; apenas contém verdade caso Deus seja a verdade – ela depende inteiramente da fé em Deus. [...] [p. 80]
[...]
7.
[...] A natureza, estimada artisticamente, não é um modelo. Ela exagera, ela deforma, ela deixa lacunas. A natureza é o acaso. O estudo “segundo a natureza” me parece um péssimo sinal: revela submissão, fraqueza, fatalismo – ficar deitado na poeira diante de petitis faits é indigno de um artista inteiro. Ver aquilo que é – isso é próprio de uma outra classe de espíritos, os antiartísticos, os fatuais. É preciso saber quem se é... [p. 82]
8.
Da psicologia do artista. Para que exista arte, para que exista algum fazer e contemplar estético, é imprescindível uma condição fisiológica: a embriaguez. [...] O essencial na embriaguez é o sentimento de plenitude e de intensificação da força. É a partir desse sentimento que damos às coisas, as forçamos a que tomem de nós, as violentamos – esse processo é chamado de idealização. Livremo-no aqui de um preconceito: a idealização não consiste, como geralmente se acredita, em atirar ou subtrair o que é pequeno, secundário. O decisivo, antes, é um colossal transbordar dos traços principais, de modo que os demais desaparecem. [p. 83]
9.
Nesse estado enriquecemos todas as coisas com a nossa própria plenitude: o que se vê, o que se quer, é visto intumescido, apinhado, enérgico, sobrecarregado de força. O homem que se encontra nesse estado transforma as coisas até que reflitam o seu poder – até que sejam reflexos de sua perfeição. Esse ter de transformar em perfeição é – arte. [p. 83]
[...]
15.
Casuística de psicólogos. – Eis um conhecedor dos seres humanos: para que, propriamente, os estuda? Ele quer tirar pequenas vantagens deles, ou mesmo grandes – ele é um político!... Aquele ali também é um conhecedor dos seres humanos: e os senhores afirmam que não quer nada para si com isso, que é um grande “impessoal”. Prestem atenção! Talvez ele queira inclusive uma vantagem muito mais séria: sentir-se superior às pessoas, poder olhá-las de cima, não ser mais confundido com elas. Esse “impessoal” é um desprezador dos seres humanos: e o primeiro é a espécie mais humana, pouco importando o que digam as aparências. Ele ao menos se coloca no mesmo nível, se coloca dentro... [p. 88]
[...]
19.
Belo e feio. – Nada é mais condicionado, digamos mais limitado, do que o nosso sentimento do belo. Quem quisesse pensá-la separado do prazer que o ser humano sente consigo próprio, perderia de imediato o solo debaixo dos pés. O “belo em si” é meramente uma expressão, não é sequer um conceito. No belo, o ser humano define a si mesmo como medida da perfeição; em casos escolhidos, adora nele a si próprio. Uma espécie não pode absolutamente dizer sim a si mesma senão dessa forma. Seu instinto mais básico, o da autoconservação e da autopropagação, se irradia mesmo em tais sublimidades. O homem acredita que o mundo está cumulado de beleza – esquece que ele próprio é a causa disso. Somente ele lhe presenteou a beleza, ah, apenas uma beleza muito humana, demasiado humana... No fundo, o homem se espelha nas coisas, ele julga belo tudo aquilo que devolve sua imagem: o juízo “belo” é a vaidade da sua espécie... [...] [p. 91]
[...]
24.
L’art pour l’art. – A luta contra a finalidade na arte é sempre a luta contra a tendência moralizante na arte, contra a subordinação à moral. L’art pour l’art significa: “Para o inferno com a moral!”. – Porém, mesmo essa hostilidade revela o predomínio do preconceito. [...] A arte é o grande estimulante da vida: como poderia ser compreendida como desprovida de finalidade, de meta, como l’art pour l’art? [...] [p. 96]
33.
O valor natural do egoísmo. – O egoísmo vale tanto quanto vale fisiologicamente aquele que o possui: ele pode valer muito ou pode ser vil e desprezível. Cada indivíduo pode ser observado com a finalidade de sabermos se representa a linha ascendente ou descendente da vida. Com uma decisão acerca disso também temos um cânone para o valor do egoísmo. Caso represente a ascensão da linha, seu valor é de fato extraordinário – e, por causa do todo da vida que com ele dá um passo adiante, o cuidado com a conservação, com a criação, de seu optimum de condições pode mesmo ser extremo. O indivíduo, o “indivisível”, tal como o povo e o filósofo o entenderam até agora, é, no fim das contas, um erro: ele não é algo à parte, não é um átomo, não é um “elo da corrente”, não é algo meramente herdado de outrora – ele é a linha humana inteira que chega até ele e inclusive o ultrapassa... [...] [p. 101]
34.
Cristão e anarquista. – Quando o anarquista, na condição de porta-voz das camadas declinantes da sociedade, exige “direito”, “justiça” e “direitos iguais” com uma bela indignação, apenas se encontra sob a pressão de sua incultura, que não consegue compreender por que realmente ele sofre – do que é pobre, de vida... Ele é dominado por um impulso causal: alguém deve ser culpado por ele estar mal... Só a “bela indignação” já lhe faz bem, vociferar é um prazer para todos os pobres-diabos – isso dá uma pequena embriaguez de poder. Já basta a queixa, o queixar-se, para dar à vida um encanto pelo qual se suporta vivê-la: há uma dose sutil de vingança em toda queixa; a pessoa censura aqueles que são diferentes, como se isso fosse uma injustiça, um privilégio ilícito, por uma situação ruim, às vezes até por sua ruindade. “Se sou canaille, também deverias selo”: é com base nessa lógica que se faz revolução. – O queixar-se não vale nada em caso algum: ele provém da fraqueza. Atribuir sua situação ruim a outros ou a si mesmo – a primeira atitude é própria do socialista, a última, do cristão, por exemplo – não faz qualquer verdadeira diferença. O que há em comum, digamos o que há de indigno nisso, é que alguém deva ser culpado por sofrermos – em resumo, que o sofredor prescreva para seu sofrimento o mel da vingança. [...] O cristão e o anarquista – ambos são decadénts. [...] [p. 103]
35.
Crítica d amoral da décadence. – Uma moral “altruísta”, uma moral em que o egoísmo definha, é, de qualquer maneira, um mau sinal. Isso vale para o indivíduo, isso vale sobretudo para povos. Falta o melhor quando começa a faltar egoísmo. Escolher instintivamente o que é danoso para si, ser atraído por motivos “desinteressados”, é quase a fórmula da décadence. “Não buscar o seu benefício” – isso é apenas a folha de parreira moral que encobre um fato muito diferente, a saber, um fato fisiológico: “Não sei mais encontrar o meu benefício”... Desagregação dos instintos! – Quando o homem se torna altruísta, é o seu fim. [...] [p. 103]
36.
Moral para médicos. – O doente é um parasita da sociedade. Em certo estado, é indecente viver por mais tempo. Continuar vegetando em covarde dependência de médicos e de tratamentos depois que se perdeu o sentido da vida, o direito à vida, deveria ter como consequência um profundo desprezo por parte da sociedade. Os médicos, por sua vez, deveriam ser os mediadores desse desprezo – não receitas, mas todo dia uma nova dose de nojo de seus pacientes... Criar uma nova responsabilidade, a do médico, para todos os casos em que o interesse supremo da vida, da vida ascendente, exija o mais implacável esmagamento e eliminação da vida degenerante [...] [p. 104]
37.
[...] A diminuição dos instintos hostis e que despertam desconfiança – e este seria, afinal, o nosso “progresso” – representa apenas uma das conseqüências na diminuição geral da vitalidade: custa cem vezes mais esforço, mais cautela, levar a cabo uma existência tão condicionada, tão tardia. As pessoas se ajudam mutuamente, todo mundo é doente e enfermeiro em certo grau. Isto, então, é chamado de “virtude”: entre homens que ainda conheciam a vida de outra forma, mais plena, mais esbanjadora, mais transbordante, isso teria outro nome, talvez “covardia”, “miséria”, “moral de velhas”... Nossa amenização dos costumes – esta é minha tese, esta é, caso se queira, a minha inovação – é uma consequência de declínio; inversamente, costumes duros e terríveis podem ser uma consequência do excesso de vida: pois então também se pode ousar muito, desafiar muito, também se pode desperdiçar muito. [...] As épocas mais forte, as culturas nobres, vêem na compaixão, no “amor ao próximo”, na falta de sentimento de si, de orgulho de si, algo desprezível. [...] Nossas virtudes se devem à nossa fraqueza, são incitadas por ela... A “igualdade”, um certo assemelhamento efetivo que ganha expressão na teoria dos “direitos iguais”, é essencialmente própria do declínio: o abismo entre um homem e outro, entre uma classe e outra, a multiplicidade dos tipos, a vontade que a pessoa tem de ser ela mesma, de se distinguir, isso que chamo de páthos da distância, é próprio de toda época forte. [...] [p. 109]
38.
Meu conceito de liberdade. – Às vezes, o valor de uma coisa não se encontra no que com ela se alcança, mas naquilo que por ela se paga – naquilo que ela nos custa. Dou um exemplo. As instituições liberais deixam de ser liberais tão logo sejam alcançadas; não há, posteriormente piores e mais radicais lesadores da liberdade do que as instituições liberais. [...] Liberalismo: em linguagem clara, transformação em animais de rebanho... [...] Pois o que é liberdade? Ter a vontade de ser responsável por si mesmo. Conservar a distância que nos separa. Tornar-se mais indiferente à fadiga, à dureza, à privação, inclusive à vida. Estar pronto a sacrificar homens à sua causa, sem descontar a si próprio. Liberdade significa que os instintos viris, que se alegram com a guerra e com a vitória, possuem o domínio sobre outros instintos; por exemplo, sobre os instintos da “felicidade”. O home liberto, e tanto mais o espírito liberto, pisoteia a espécie desprezível de bem-estar com que sonham merceeiros, cristãos, vacas, mulheres, ingleses e outros democratas. O home livre é guerreiro. – Pelo que se mede a liberdade, tanto de indivíduos quanto de povos? Pela resistência que precisa ser superada, pelo esforço que custa ficar em cima. [...] Aquelas grandes estufas para a espécie forte de homem, para a espécie mais forte que existiu até agora, as comunidades aristocráticas nos moldes de Roma e Veneza, entenderam a liberdade exatamente no mesmo sentido em que entendo essa palavra: uma coisa que se tem e não se tem, que se quer, que se conquista... [p. 111]
39.
Crítica da modernidade. – Nossas instituições não prestam mais: acerca disso somos unânimes. Mas isso não se deve a elas, e sim a nós. Depois que perdemos todos os instintos dos quais brotam instituições, perdemos as próprias instituições porque nós não prestamos mais para elas. O democratismo sempre foi a forma decadente da força organizadora [...] Para que existam instituições, é preciso existir uma espécie de vontade, instinto, imperativo, que seja antiliberal até a maldade: a vontade de tradição, de autoridade, de responsabilidade por séculos, de solidariedade entre séries de gerações para frente e para trás in infinitum. [...] O Ocidente inteiro não possui mais aqueles instintos dos quais brotam instituições, dos quais brota futuro: talvez nada desagrade tanto ao seu “espírito moderno”. Vive-se para hoje, vive-se muito depressa – vive-se de modo muito irresponsável: precisamente isso é chamado de “liberdade”. Aquilo que faz das instituições o que elas são é desprezado, odiado, repudiado: basta ouvirem a palavra “autoridade” e as pessoas acreditam estar na iminência de uma nova escravidão. [...] Com a crescente indulgência em favor do casamento por amor, foi eliminada terminantemente a base do casamento, aquilo que faz dele uma instituição. Em hipótese alguma se funda uma instituição sobre uma idiossincrasia, não se funda o casamento, conforme já foi dito, sobre o “amor” [...] [p. 113]
40.
A questão operária. [...] Caso se queira um fim, também é preciso querer os meios: caso se queiram escravos, então se é louco ao educá-los para que sejam senhores. [p. 114]
41.
“Liberdade que não amo...” – [...] Hoje o indivíduo deveria ser tornado possível na medida em que fosse podado: possível, ou seja, inteiro... Acontece o contrário: o direito à independência, ao livre desenvolvimento, ao laisser aller, é reivindicado com a maior veemência justamente por aqueles aos quais nenhuma rédea seria firme demais – isso vale in politicis, isso vale na arte. Mas isso é um sintoma de décadence: nosso moderno conceito de “liberdade” é uma prova a mais da degeneração do instinto. [p. 115]
42.
Onde a fé é necessária. – Nada é mais raro entre os moralistas e santos do que a retidão; talvez eles digam o contrário, talvez até acreditem no contrário. Pois quando uma fé é mais útil, mais eficaz, mais persuasiva do que a hipocrisia consciente, tal hipocrisia logo se transforma, por instinto, em inocência: primeira tese para a compreensão dos grandes santos. [...] [p. 116]
[...]
44.
Meu conceito de gênio. – Assim como as grandes épocas, os grandes homens são explosivos nos quais está acumulada uma energia formidável; seu pressuposto é sempre, histórica e fisiologicamente, que por longo tempo se tenha ajuntado, acumulado, poupado e guardado com vista a eles – que por longo tempo não tenha ocorrido nenhuma explosão. Caso a tensão na massa tenha se tornado muito grande, basta o mais acidental dos estímulos para chamar ao mundo o “gênio”, a “ação”, o grande destino. [...] O gênio – em obras, em ações – é necessariamente um esbanjador: sua grandeza está no fato de se gastar... [...] [p. 117]
45.
[...] quase todas as formas de existência que hoje respeitamos viveram outrora nessa atmosfera meio sepulcral: o homem de ciência, o artista, o gênio, o livre-pensador, o ator, o comerciante, o grande descobridor... Enquanto o sacerdote foi considerado o tipo supremo, toda espécie valiosa de homem foi desvalorizada... [...] [p. 120]
46.
[...] Pode ser elevação da alma quando um filósofo se cala, pode ser amor quando se contradiz; é possível, da parte do homem dedicado ao conhecimento, uma cortesia que minta. [...] [p. 121]
47.
A beleza não é um acaso. [...] As coisas boas são deveras dispendiosas: e sempre vale a lei de que quem as possui é diferente daquele que as adquire. Tudo que é bom é herança: o que não é herdado é imperfeito, é começo... [...] A rigorosa sustentação de gestos importantes e seletos, a obrigatoriedade de viver apenas com pessoas que não se “deixem ir” são perfeitamente suficientes para tornar uma pessoa importante e seleta: em duas ou três gerações já está tudo interiorizado. [...] [p. 122]
48.
Progresso em meu sentido. – Também eu falo de “retorno à natureza”, embora não seja exatamente uma volta, mas uma ascensão – à natureza e à naturalidade elevadas, livres e mesmo terríveis que brincam, podem brincar, com grandes tarefas... [...] A doutrina da igualdade!... Mas não há veneno mais venenoso: pois ela parece pregada pela própria justiça, enquanto é o fim da justiça... “Aos iguais o que é igual, aos desiguais o que é desigual” – esse seria o verdadeiro discurso da justiça: e, consequência disso, “jamais igualar o que é desigual.” [...] [p. 124]
49.
[...] Semelhante espírito liberto se encontra em meio ao universo com um fatalismo alegre e confiante, na crença de que apenas a parte isolada é reprovável, de que tudo se redime e se afirma no todo – ele não nega mais... Mas semelhante crença é a mais elevada de todas as crenças possíveis: eu a batizei com o nome de Dioniso.
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